“Farra” do crédito de veículos gera rombo de R$ 23 bilhões
O custo da festa do crédito fácil para veículos do começo da década foi alto para as instituições financeiras. Dados inéditos do Banco Central mostram que o setor teve problemas para receber R$ 38,1 bilhões em financiamentos concedidos em 2010 e 2011, quando era possível comprar um carro zero, sem entrada, parcelado em até cem vezes. Bancos já desistiram de cobrar R$ 22,8 bilhões e reconheceram o valor como prejuízo, mas o setor ainda trabalha para receber outros R$ 15,3 bilhões emprestados naquela época.
Após o estouro da crise financeira global em 2008, o governo reagiu para tentar amenizar a maré negativa do exterior. Queda de impostos, redução de juros e liberação de dinheiro aos bancos fizeram parte da receita que permitiu ao País passar os primeiros anos da crise com poucos arranhões. Enquanto o mundo colhia cacos, o Brasil dava sinais de vigor e o setor de veículos virou símbolo do Brasil que consumia cada vez mais.
Tanta confiança mudou profundamente a economia. Enquanto consumidores estavam cada vez mais seguros sobre o futuro, montadoras anunciavam bilhões em novos projetos e bancos afrouxavam parâmetros no crédito. Assim, a concessão de financiamentos para veículos atingiu patamar nunca mais alcançado: R$ 105,3 bilhões emprestados em 2010 e outros R$ 102,5 bilhões em 2011. No ano passado, esse valor foi de R$ 87,3 bilhões. Os bancos liberaram em média R$ 3.339,66 a cada segundo em novos financiamentos naquele período. Essaavalanche de crédito chegou em condições inéditas. Clientes sem histórico bancário conseguiam financiar um carro zero sem entrada e com prazo que superava oito anos. Para convencer indecisos, concessionárias e montadoras investiam pesado em publicidade e o IPI zero dos veículos populares era o grande chamariz.
O preço dessa festa apareceu agora. Dos R$ 209 bilhões emprestados em 12,32 milhões de operações aprovadas em 2010 e 2011, bancos enfrentaram algum tipo de problema com o recebimento de R$ 22,8 bilhões em 2,24 milhões de financiamentos. Ou seja, operações classificadas como “problemáticas” pelo próprio BC corresponderam a 18,2% de todas as que foram feitas.
“Tudo o que se fabricou, vendeu. Com a chegada dos novos consumidores, motivados pela emoção e que não tinham experiência com financiamentos, é óbvio que se esperava um aumento da inadimplência”, diz o presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras das Montadoras, Luiz Montenegro. “Eu prefiro olhar isso como um profundo aprendizado.”
Nesse boom do crédito, o ápice dos problemas parece ter ocorrido em abril de 2011. Dos financiamentos com prazo superior a 60 meses concedidos naquele mês, 34% registraram problemas. Para comparação, o mesmo indicador ficou em 4,6% nos empréstimos de 2016 e não alcança nem 1% do crédito para veículos de 2017.